Entrevistas  

Conheça Adrian Appiolaza, o novo diretor criativo da Moschino

21 Feb 2024
By Vogue Portugal

Federico Cimei

"Nunca tive a oportunidade de pôr a minha voz em primeiro plano, por isso não é muito claro para mim como é que essa voz vai sair. Mas é um processo, como tudo."

É dia de São Valentim e o primeiro encontro da Vogue com Adrian Appiolaza está marcado no estúdio da Moschino em Milão. O novo diretor criativo da marca está oficialmente no cargo desde 11 de janeiro e apresentará o seu primeiro desfile esta quinta-feira, 22 de fevereiro. "Esta é a minha primeira entrevista", diz enquanto nos sentamos.

Se o período de tempo entre a nomeação e a estreia de Appiolaza parece curto, é por uma razão muito triste. Após a saída de Jeremy Scott em março do ano passado, a Moschino nomeou Davide Renne, veterano da Gucci, para a direção criativa e, apenas dez dias depois de assumir o cargo, Renne morreu subitamente. Por respeito e para fazer tudo o que estava ao seu alcance para escolher o melhor sucessor possível de Renne, a direção da Moschino demorou algum tempo a identificar e anunciar o escolhido, ao mesmo tempo que se mantinha consciente da necessidade de repensar a direção criativa da Moschino nesta temporada.

Estes prazos apertados são a razão pela qual, quando nos encontrámos oito dias antes da estreia, Appiolaza ainda não tinha visto a coleção com os seus próprios olhos. "Quero fazer algo que respeite a situação", diz ele, "por isso trabalhei com a equipa de design para criar as peças. Organizámos tudo para ser feito com tecidos que já estavam na empresa e prontos a usar. Depois, no sábado, vão chegar e começamos alguns dias de testes: vestir as modelos e criar estas personagens que tenho na cabeça. Mas tudo ainda tem de ser trabalhado e testado".

Adrian Appiolaza no estúdio da Moschino, em Milão.
Federico Cimei

Appiolaza parece extraordinariamente calmo, apesar de estar a apresentar a primeira coleção em seu nome - pelo menos desde o desfile de final de curso na Central Saint Martins, em 2002. Ri-se e responde: "Todas as manhãs, abro os olhos e começo imediatamente a pensar em como conduzir este primeiro desfile. Sei que, mais tarde, terei o tempo e os recursos que preciso para dar o meu melhor. Mas, para já, tive de utilizar os ingredientes que já existiam, não houve tempo para desenvolver novos. Por isso, tratou-se de fazer arranjos com o que estava aqui, para poder começar a criar estas personagens e iniciar a história que quero contar na Moschino. A ideia de obsessão com peças de vestuário de arquétipos ou ideias de Moda faz parte da mensagem que quero transmitir. Vamos ver se o conseguimos fazer".

Appiolaza, com 51 anos, tem-se preparado para este momento ao longo de toda a sua carreira de mais de duas décadas no design de Moda. Por ordem cronológica, os designers com quem trabalhou e aprendeu são Alexander McQueen e Miguel Adrover (nas suas casas), Phoebe Philo (Chloé), Miuccia Prada (Miu Miu), Marc Jacobs (Louis Vuitton), Clare Waight Keller (também na Chloé) e, mais recentemente, Jonathan Anderson na Loewe, onde foi diretor de ready-to-wear "Aprendi algo importante com cada um deles ao longo deste caminho", diz. "O que é muito novo para mim aqui, e muito libertador em termos criativos, é saber que sou eu que tomo a decisão final. Quando se trabalha sob a alçada de alguém, o trabalho é propor e criar coisas que prevemos que o diretor criativo vai querer: este fator está sempre em primeiro plano. Se a relação e o entendimento forem bons, isso tornar-se-á mais natural, após um período de tentativa e erro."

Ter a última palavra - e reivindicar a responsabilidade final pelo gesto criativo - pode ser um encargo pesado quando se começa. Mas Appiolaza diz que na Moschino se sente, pelo menos em espírito, ao serviço de outro intelecto. "E é assim graças ao próprio Franco [Moschino]", diz. "Algo que me deixa bastante emocionado estando aqui é o facto de existirem muitas pessoas na empresa que trabalharam com Franco. Quero ouvir todas as suas histórias. No estúdio, tenho estado sentado e a trabalhar na mesma mesa em que Franco trabalhava. A minha personalidade é a de uma pessoa muito ligada aos bastidores e não quero mudar isso. O meu objetivo é fazer com que a personagem principal do meu trabalho aqui seja a própria Moschino".

Appiolaza apresentará a sua primeira coleção quinta-feira.
Federico Cimei

A primeira coisa que Appiolaza fez quando chegou à Moschino foi regressar às suas origens: os arquivos. Uma seleção importante foi trazida de Cattolica, na Emilia-Romagna, em Itália, guardada pelo proprietário da Moschino, o Grupo Aeffe. Appiolaza recolheu-a e começou a trabalhar. "A minha primeira reação foi: volume. Uma das grandes armas de Franco era a criação de silhuetas. Depois, comecei a identificar arquétipos, obsessões recorrentes, e comecei a pensar que o universo de fantasia de Franco não era apenas a criação de roupas - era a criação de personagens. O que já aprendi com ele é que a roupa é para ser usada. Há uma ironia que atravessa o trabalho e uma sensação de alegria, e isso é também algo que quero trazer para este novo capítulo."

Moschino foi também um dos maiores críticos da moda, um agente duplo que usou a sua inteligência para satirizar a forma de arte comercial de que fazia parte. "Sem dúvida. Isto é algo em que quero tocar. Mas acho que não é a altura certa, nesta primeira coleção. E estou a chegar a esta plataforma da Moschino num determinado momento, não é o certo. Mas há algumas mensagens que vou enviar que também estavam no ADN de Franco, e essa mensagem de subversão é algo que acho que também pode fazer parte deste novo capítulo."

Apesar dos seus anos de trabalho o terem levado ao coração complexo da Moda, Appiolaza começou como um outsider. Nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1972, e a sua adolescência foi moldada - como tantas outras- pela música. "Tudo começou com Morrissey e The Smiths. Eu gostava muito do estilo Rockabilly. Tinha um amigo cujo pai trabalhava para a Aerolíneas Argentinas (uma companhia aérea argentina), e ele, uma vez por ano, trazia vinis, cassetes, a revista Melody Maker; tudo o que não se conseguia comprar na Argentina na altura." Mais tarde, a cena de Madchester - sobretudo The Stone Roses - tornou-se uma obsessão fundamental: "Isto criou um ponto de interrogação na minha mente: como é que eu posso ver por mim próprio? Eu era muito tímido, mas estava desesperado por explorar."

Depois de estudar arquitetura na sua cidade natal, Appiolaza partiu aos 21 anos - o mais cedo que conseguiu- e foi para o Reino Unido. "O meu plano era ir para Manchester, mas primeiro parei em Londres". Quando aterrou em Heathrow com a sua única mala, utilizou uma cabine telefónica para ligar ao único contacto que tinha no país, um amigo de um amigo que trabalhava como DJ. "E ele deu-me um sítio para ficar, num sofá-cama. Vivia em Covent Garden. Depois tive de pensar no que fazer para trabalhar." O primeiro trabalho de Appiolaza foi distribuir panfletos em frente à discoteca Heaven, por baixo da estação de Charing Cross. Quando descreve o encontro com Brett Anderson dos Suede, Neil Tennant dos Pet Shop boys e Steve Strange dos Visage durante as suas tarefas noturnas, Appiolaza ilumina-se visivelmente, recordando o entusiasmo.

Isto passou-se por volta em 1994. Appiolaza era há muito tempo um frequentador assíduo do ginásio - em parte pela saúde, em parte pela beleza - e através dos seus novos contactos na demi-monde londrina, conseguiu alguns trabalhos a dançar em discotecas. Também trabalhou como ajudante de cozinha e em restaurantes. Através das discotecas e dos amigos que fez na cidade, ficou fascinado por Moda e foi-lhe dito que era possível estudá-la - algo que nunca tinha ouvido antes - num sítio chamado Central Saint Martins. Investiu vários milhares de libras num curso especializado na construção de portefólios, apresentou o resultado à influente escola de londrina, e conseguiu entrar. Ao mesmo tempo, alguém lhe disse que McQueen estava a recrutar um junior assistant designer: "Então, apresentei-me com o meu portefólio e consegui ficar".

Federico Cimei

Appiolaza passou vários anos a estudar e a trabalhar na McQueen, ao mesmo tempo que trabalhava como barman no The Edge em Soho, entre outros locais da cidade, para conseguir pagar a renda. "Olhando para trás, não estava a trabalhar para um objetivo, estava apenas a trabalhar para sobreviver. Mas agora sinto-me bastante orgulhoso do que fiz. No final, não consegui encaixar tudo e deixei a McQueen - disseram-me que podia ficar e que haveria oportunidades lá, mas achei que era importante continuar a estudar e ter habilitações. É assim que as coisas são na Argentina". No entanto, Sebastián Pons, o primeiro assistente de McQueen, apresentou Appiolaza a Adrover e, durante alguns Verões, viajou para Nova Iorque para trabalhar na sua linha. Em 2002, concluiu os estudos e "ganhou o prémio de melhor coleção de womenswear" com a sua coleção de licenciatura, de inspiração argentina. Esta distinção originou uma abordagem feita por um “caça-talentos” da Chloé, onde "Phoebe tinha acabado de substituir Stella - chamaram-me e tornei-me no seu braço direito".

Depois de duas décadas a trabalhar para tantos designers influentes e inspiradores, Appiolaza recusa educadamente quando lhe pedem para falar em pormenor sobre as experiências. Porque, embora esses trabalhos já tenham terminado,  mantém-se fiel aos códigos de confidencialidade que faziam parte deles. E continua: " É uma questão de respeito". Outro aspeto que formou a sua identidade enquanto designer foi a sua longa obsessão por arquivos; esta compulsão nasceu do seu fascínio pelo trabalho de Yohji Yamamoto nas imagens estilizadas por Ray Petri para a revista The Face. Quando nos encontrámos, Appiolaza vestia orgulhosamente uma bowling shirt de Yohji de 2013 e falou sobre o processo de coleção, curadoria e comunicação de coleções de designers que o tocam profundamente, incluindo as de Franco Moschino.

Agora, está encarregue de continuar o legado da Moschino - ao mesmo tempo que cria os seus arquivos do futuro - a soma total da sua profunda e vasta experiência na moda até agora, diz, "é o instinto de criar uma mensagem. Ainda estou a aprender e tudo aqui parece muito novo. Como nunca tive a oportunidade de pôr a minha voz em primeiro plano, não é muito claro para mim como é que essa voz vai sair. Mas é um processo, como tudo". E acrescenta: "O que sei de facto é que o meu objetivo é enviar uma mensagem tão positiva e alegre quanto possível. É esse o meu caráter,- mesmo que o meu signo seja caranguejo e tenha as minhas oscilações pessimistas. Mas a alegria é o mais importante. Para mim, isto é apenas o início, uma página vazia".

Esta quinta-feira, Appiolaza escreverá a primeira frase do capítulo mais recente da sua coleção e da Moschino.

Artigo adaptado e traduzido do original, aqui.

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