Lifestyle  

Trending now: nepo babies

27 Oct 2023
By Ana Murcho

Onde se fala de privilégios, nepotismo, e de um realizador de cinema que, por acaso, é Judd Apatow.

Em fevereiro de 2022, uma utilizadora do X (ex-Twitter) publicou o seguinte tweet: “Para tudo, acabei de descobrir que a atriz que faz de Lexie [em Euphoria] é uma nepotism baby omg, a sua mãe é Leslie Mann e o seu pai é um realizador de cinema lol.” Como várias publicações entretanto referiram, o desabafo, que se tornou viral, é curioso por vários motivos: o “realizador de cinema” é nada mais nada menos que Judd Apatow, um dos nomes mais importantes de Hollywood; e o produtor de Euphoria, Sam Levinson, é também ele um nepo baby, abreviatura entretanto criada para nepotism baby, uma expressão demasiado grande e enfadonha para a sociedade atual, que economiza sílabas à velocidade da luz — o seu pai é o cineasta Barry Levinson, responsável, entre outros, por Good Morning, Vietnam. Meriem Derradji, a internauta em questão, abriu uma caixa de Pandora para uma geração sedenta de rumores e fait-divers. Maude Apatow, a atriz que dá vida a Lexie — e que, nunca esquecer, é filha de Leslie Mann e Judd Apatow —, tornou-se uma espécie de “bode expiatório” para um debate que existe desde o princípio dos tempos, mas que de repente se tornou central nas vidas de todos nós: metade das pessoas conhecidas que vemos na televisão e nos serviços de streaming são filhas/enteadas/netas/ sobrinhas/afilhadas de pessoas conhecidas. Quase ninguém escapa, e até Nicholas Braun, o inocente primo Greg, de Succession, é filho de um dos designers que criou o logótipo dos Rolling Stones. Como é possível que ninguém tenha reparado nisto antes? Reparou. Há anos e anos que as chamadas “revistas cor-de-rosa” alertam para esta questão, normalmente de forma subtil, com fotografias de família em momentos-chave e pequenas notas como “vencedora do Óscar leva a filha à escola de dança” ou “nomeado ao Globo de Ouro acompanha o filho ao primeiro casting” — em vão. Se tentássemos extinguir os nepo babies dos nossos ecrãs, provavelmente ficaríamos sem filmes.

Façamos rewind até ao início do século XX, mais precisamente a nove de dezembro de 1909, dia do nascimento do ator Douglas Fairbanks Jr., filho de Douglas Sr. e enteado de Mary Pickford, dois atores que, na década de 1920 eram o casal mais famoso do planeta. Aproveitando o seu star power, Jesse L. Lasky, co-fundador da Paramount, ofereceu-lhe um contrato de mil dólares por semana... quando tinha apenas 13 anos. Tal como outros depois dele, Fairbanks Jr. nunca igualou o legado do pai, mas teve uma longa carreira, casou com Joan Crawford (essa mesmo...) e sempre pareceu consciente do seu privilégio. “Desde a maturidade que conheço perfeitamente os limites das minhas capacidades”, escreveu nas suas memórias. Amem-se ou odeiem-se, os nepo babies são parte integrante do mundo em que vivemos. Tal como apontava o The Guardian em dezembro passado, talvez o maior sentimento que podemos ter em relação a eles é “ressentimento.” Mesmo sem darmos por isso, acabamos por nos insurgir contra a sua sorte, as suas vantagens, as suas regalias. Chega a ser ofensivo como conseguem “tudo” de forma tão fácil. E é isso que nos deixa a nós, meros mortais, indignados. Porque é que eles, que já têm “tudo” ainda hão de querer mais? A discussão, já se sabe, atingiu níveis fervilhantes quando, também em dezembro passado, a revista New York dedicou um número ao assunto, indicando que 2022 tinha sido “the year of the nepo baby.” Antes disso, Lily-Rose Depp, filha do ator Johnny Depp e da cantora e atriz Vanessa Paradis, tinha dado uma entrevista em que mostrava ter pouca (ou nenhuma) noção dos benefícios do seu berço de ouro, provocando uma explosão de ódio sem paralelo. Ao contrário da protagonista de The Idol, que se tornou famosa ainda na adolescência — pelo apelido e tão só pelo apelido —, e que não consegue o consenso geral do público, outras estrelas “filhas de...” recebem uma simpatia unânime: casos de Mariska Hargitay (a Olivia de Law & Order: Special Victims Unit), filha da atriz Jayne Mansfield e do ator e fisiculturista Mickey Hargitay, Lizza Minnelli, cujos pais, Judy Garland e Vincente Minnelli, permanecem como dois dos nomes mais importantes da sétima arte, ou Dakota Johnson, filha dos atores Melanie Griffith e Don Johnson, e neta de Tippi Hedren, uma lenda do cinema. Porque será? Ninguém sabe. Da mesma forma, quase ninguém quer saber se Michael Douglas, Laura Dern, Anjelica Houston ou Tracee Ellis Ross têm pais famosos.

Nate Jones, o jornalista responsável pelo artigo “How A Nepo Baby Is Born”, um dos vários textos publicados na edição especial da New York acima mencionada, sugeria uma forma para entender o complexo universo dos nepo babies: “É melhor imaginar os nepo babies num espetro. No topo estão os nepo babies clássicos, herdeiros de nomes famosos e características famosas: Dakota Johnson, Maya Hawke, Jack Quaid. No nível seguinte, encontram-se as pessoas que obtiveram vantagens graças às ligações familiares, mesmo que não fossem famosas em si mesmas. Estas incluem figuras como Lena Dunham, cujos pais artistas forneceram o capital cultural necessário, bem como ‘industry babies’ como Billie Eilish, filha de uma atriz de dobragens, e Kristen Stewart, cuja mãe foi a supervisora do guião de Os Flintstones em Viva Rock Vegas. As irmãs Hadid são um caso complicado: tal como aconteceu com outro palestiniano famoso, Jesus Cristo, os benefícios da relação filial fluíram claramente para os dois lados. E, provavelmente, podemos traçar um limite quando se trata de figuras como Paris Hilton, para quem o termo ‘rich people’ é suficiente.” A culpa não é deles. Dos nepo babies, entenda-se. A culpa é de quem percebe que contratar o filho de um famoso traz “um gancho de marketing fácil, bem como milhões de seguidores no TikTok”, o que garante, à partida, algum lucro. E algum falatório, o que, sem querer, vai dar ao mesmo: durante a pandemia, um artigo do site Deadline sobre uma curta-metragem chamada The Rightway, realizada pela filha de Steven Spielberg, protagonizada pelo filho de Sean Penn e escrita pelo filho de Stephen King, deu origem a dias de controvérsia online. A culpa, por vezes, é dos pais deles. Veja-se o escândalo da Operação Varsity Blues, em 2019, que revelou os métodos dissimulados através dos quais celebridades como Lori Loughlin e Felicity Huffman procuravam colocar os seus filhos em universidades de topo. A filha de Lori, Olivia Jade, acabou por “lucrar” com o sucedido e tornou-se uma estrela das redes sociais, demonstrando uma ironia refinada pouco habitual para a sua idade — e privilégio. Será ela uma nepo baby cool?

O bate-boca não dá sinais de parar. A nove de janeiro passado, Hailey Bieber foi fotografada num parque de estacionamento de Los Angeles com uma t-shirt branca onde se podiam ler as palavras nepo baby. Para contexto: a modelo, de 26 anos, é filha do ator Stephen Baldwin e sobrinha dos atores Alec, Daniel e William Baldwin, e é atualmente casada com o cantor Justin Bieber. O coro de protestos para com a atitude “infantil” e “mimada” de Bieber não se fez esperar, apesar de algumas pessoas defenderem que se tratava de uma brincadeira inofensiva. Gwyneth Paltrow, atriz e fundadora do site Goop, não resistiu a comentar numa página de Instagram onde se via a imagem de Bieber: “Talvez precise de algumas destas.” Paltrow, note-se, é filha da também atriz Blythe Danner e do realizador Bruce Paltrow, o que a coloca na lista dos very important people ultraprivilegiados. Nada disto foi indiferente a Jamie Lee Curtis, a nepo baby original — para todos aqueles que ignoram a existência de Douglas Fairbanks Jr. e que tendem a esquecer Jane Fonda, filha do eterno Henry Fonda e irmã de Peter Fonda, um dos protagonistas de Easy Rider, que por sua vez é pai de Bridget Fonda, musa do cinema dos anos 90. A protagonista de Halloween, conhecida como “a rainha do grito”, também se pronunciou sobre o tema, num post publicado nas suas redes sociais: “Para que conste, naveguei 44 anos com as vantagens que a minha fama associada e refletida me trouxe, não finjo que não há nenhuma, que me tentam dizer que não tenho valor por mim própria", escreveu. “É curioso como fazemos imediatamente suposições e comentários maliciosos de que alguém relacionado com outra pessoa que é famosa na sua área pela sua arte, de alguma forma não teria qualquer talento. Aprendi que isso simplesmente não é verdade.” Fruto da relação de Tony Curtis (Spartacus, Some Like It Hot) e Janet Leigh (Psycho, Touch of Evil), Jamie Lee Curtis foi nomeada aos Óscares pela primeira vez com 64 anos. E ganhou. É esta a sina dos nepo babies: tenta, e se não fores bem sucedido à primeira, tenta de novo. Lembra-te que és filho de uma celebridade.

Talvez o exemplo mais gritante de nepo babies sejam os príncipes e as princesas, que naturalmente seguem as pisadas dos pais “só porque sim”, ou melhor, “porque a natureza e Deus assim decidiram.” E, depois deles, as infantas e os infantes que partilharam os seus bercinhos de ouro com outros nobres de igual linhagem, a anos-luz dos plebeus que sorriam aos vê-los passar nas suas sumptuosas carruagens. Os bastões destas famílias, cujas árvores genealógicas justificavam heranças e favores durante séculos e séculos, são os mesmos que sustentam a entrada de Kendall Jenner na passerelle de Schiaparelli ou de Zoë Kravitz em The Batman. É um entendimento invisível, nunca discutido, que coloca os mais próximos na cadeia nos lugares mais cobiçados — semelhante ao que acontece, num nível abaixo, na vaga para o posto de explicadora. Não é a meritocracia a funcionar, é a modernidade a acontecer — de forma esquizofrénica. Contudo, ainda há casos em que o excesso de nepo babies nos surpreende. Pela positiva. A propósito do novo filme de Adam Sandler, You Are So Not Invited to My Bat Mitzvah [em que os protagonistas são, precisamente, a sua mulher e as suas filhas adolescentes] o site Screenrant escreveu: “Ao ter a sua própria companhia [Happy Madison Productions], Adam tem tido a possibilidade de escolher os membros da sua família, à semelhança de Judd Apatow, que fez vários filmes com a sua mulher, Leslie Mann, e as suas filhas, Maude e Iris. Embora isto possa parecer um caso clássico de nepotismo injusto, You Are So Not Invited to My Bat Mitzvah é sobretudo um projeto de amor da família Sandler.” E é a prova de que ninguém — ninguém — consegue abordar o tema “nepo babies” sem mencionar um realizador de cinema chamado Judd Apatow.

Originalmente publicado no The Fame Issue, de outubro de 2023.

ArtworkMiguel Canhoto
Ana Murcho By Ana Murcho
All articles

Relacionados


Opinião  

Got Milk?

18 May 2024

Moda  

12 small brands que vale (muito) a pena conhecer

17 May 2024

Notícias  

As melhores lojas vintage de Lisboa

17 May 2024

Curiosidades  

Os 6 álbuns de vingança mais famosos da história da música

16 May 2024